Perpetuação do “legitimus” porém não “verus”
Estou deveras impressionado de ver o quanto nosso país evoluiu na questão de justiça, a velha representação romana de uma deusa com os olhos vendados, numa mão uma balança representando a equidade, e na outra uma espada representando a sua rigidez. Só não sabiam os tão dignos romanos que um dia se criariam recursos tais como um providencial orifício quase que imperceptível na venda, que permite à senhora justiça examinar furtivamente os fatos, bem como um dispositivo inserido ocultamente na balança que a leva a pender para um lado determinado, e ainda uma desfiguração sutil do fio da espada, que desfere suaves golpes provocando risos debochados ao invés de provocar dor e respeito pelos fortes braços da dona Justiça. Essa é a situação que assistimos ao ver os ministros do nosso supremo com palavras eloquentes defendendo com a sua própria vida, se necessário, o direito sagrado de bandidos e quadrilheiros se defenderem do que deveria ser a última instancia dos nossos tribunais. Nada de ilegítimo, pois, nas pequenas linhas de nossa legislação ultrapassada e tendenciosa, apoiadas por complexos regimentos com parágrafos e mais parágrafos grafados com a maior competência das melhores mentes de nosso país, que pela sua complexidade e profundidade, é claro, permite vagas e tendenciosas interpretações a ponto de, não sei como, dos onze ministros votantes, seis conseguirem com a mais deslavada justificativa, descordar no campo da interpretação, dos outros cinco. Isso seria engraçado, caso não atentássemos para o triste fato de que a matéria julgada, objeto dos famosos “embargos infringentes” foi discutida e esgotada pela maior parte desses mesmos ministros durante seis meses, levada lamentavelmente em doses homeopáticas à sociedade brasileira, num custo processual incalculável, e que esses mesmos ministros terão que examinar alguns desses pontos novamente, por período provavelmente igual ao já decorrido, e que como existem prazos legais a se cumprir, isso provavelmente só começará a ser feito no próximo ano, gerando outro monstro processual caríssimo à nação.
Mas tudo bem, ainda que fechemos nossos olhos para tudo isso, dói muito mais quando pensamos não no “legitimus”, que é o sagrado direito de defesa, mais para o “verus”, ou seja, quando vemos escancarados todos os efeitos nocivos e provas contundentes de tudo o que foi praticado por esses digníssimos homens públicos. Atos comprovadíssimos, não só em suas provas materiais, como também em seus efeitos, se é que acompanhamos tão escabrosa matéria.
Nesse ponto desafio aos que estão lendo esse desabafo, a analisarem um pequeno detalhe desse tão vergonhoso pano de fundo do nosso país: quais foram os beneficiados por essa decisão? Será que isso não nos envergonha, será que isso não provoca-nos náuseas, principalmente quando vemos alguns desses beneficiados pousando de íntegros diante das câmeras das mídias, vomitando discursos de inocência, e no canto da boca expressando leves sorrisos de deboche. Deboche de quem? Seria da ineficiente, cega, desequilibrada e inoperante senhora justiça, ou daqueles que estão pagando o preço por esse espetáculo vergonhoso o qual nos negamos a acreditar, mas somos forçados a aceitar. Então só podemos concluir que o nosso sistema tão inteligente, profundo e complexo foi criado exclusivamente para, independentemente do custo e das consequências propor a perpetuação do “legitimus” porém não “verus”